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Missão de quem?

A divisa da Campanha de Missões Nacionais deste ano, retirada de 1 João 4.19, bem que poderia ser parafraseada em linguagem missiológica: “Nós vamos porque Ele veio primeiro”. Com razão, se fazemos missões hoje, é porque, muito antes de nós, Jesus fez missões ao vir nos salvar. A missão não começa em nós, mas em Deus, que é quem está em missão. Essa verdade é o que os teólogos chamam de Missio Dei (missão de Deus).

Esse ensino remonta aos tempos da Reforma Protestante, que desafiou a ideia angustiante e opressora de que as pessoas deveriam “conquistar” a salvação por esforços próprios. Graças a Martinho Lutero e a outros reformadores, recuperamos a doutrina bíblica de que a Salvação, pela graça mediante a fé, foi providenciada pelo que Deus fez e não pelo que nós fazemos.

Hoje, enquanto pensamos em nossa missão, devemos considerar esse importante dado teológico, nas palavras de Christopher Wright: “Não é tanto a questão de Deus ter uma missão para sua igreja no mundo, mas sim o de ter uma igreja para sua missão no mundo. A missão não foi feita para a igreja, mas a igreja foi feita para a missão – a missão de Deus”[2]. Vamos relembrar de que forma essa verdade começou a se revelar na Bíblia.

A missão de Deus na Bíblia

Como disse Russel Shedd, “a tarefa de levar o evangelho a todas as criaturas, nações, línguas e povos não era uma novidade do primeiro século. Ela começou no coração de Deus e foi anunciada inicialmente no Antigo Testamento”[3]. De fato, desde cedo o coração missionário de Deus se mostrou na promessa do Redentor (Gênesis 3.15); no chamado de Abraão (Gênesis 12.1-3); na eleição e no chamado de Israel como nação sacerdotal (Êxodo 19.4-6); no Pacto da Lei (Deuteronômio 4.5-8); nos Salmos (Salmos 67.1,2; 45.17; 86.9; 102.15 etc.); nos profetas (Isaías 11.10; 49.6; 56.7; 60.3; 66.18; Amós 9.11ss; especialmente o livro de Jonas) e em algumas narrativas, como a inclusão da estrangeira Rute na linhagem messiânica, o envio de Elias à viúva de Sarepta e a cura do siro Naamã por Eliseu, as duas últimas mencionadas em Lucas 4.25-28.

Cumprindo as profecias, Jesus Cristo veio ao mundo na plenitude dos tempos para nos remir e nos conceder a adoção de filhos (Gálatas 4.4,5). “Deus tinha um único Filho e fez dele um missionário”, conforme afirma o missionário inglês David Livingstone, nessa frase a ele atribuída. Após completar sua missão na Terra, o Senhor enviou os discípulos para que evangelizassem e fizessem discípulos de todas as nações (Mateus 28.18-20; Marcos 16.15; Lucas 24.46-49; João 20.21; Atos 1.8). Antes, porém, garantiu que todos os povos do planeta ouviriam o Evangelho até a sua vinda (Mateus 24.14). Por fim, Apocalipse traz o retrato do resultado final da missão de Deus plenamente cumprida, quando uma multidão incontável, de todas as nações, tribos, povos e línguas estará diante do trono, e perante o Cordeiro, adorando-o (Apocalipse 7.9; cf. 5.9).

Embora a missão de Deus não falhe, uma igreja local em particular pode, sim, negligenciar a missão, perdendo o privilégio de participar do que Deus está fazendo no mundo, ou, ainda, realizando muitas atividades, mas deixando de corresponder, de fato, à expectativa de Deus quanto ao cumprimento de sua parte nessa missão.

A missão de Deus e a missão da igreja

A teologia da Missio Dei ofereceu uma grande contribuição para a missiologia, porém um contraponto precisa ser feito: embora a missão comece e termine em Deus, não podemos esquecer que a igreja também possui uma missão, e que essa missão aparece de modo explícito na Bíblia. Essa questão foi muito bem equacionada por John Stott, em seu livro A missão cristã no mundo moderno[4].

O teólogo inglês observou duas tendências sobre a forma como os cristãos costumavam entender a missão. A primeira, mais tradicional, tratava a missão cristã como sinônima de evangelismo, e enxergava o mundo como um “prédio em chamas” condenado à destruição, no qual poucos teriam a coragem de entrar numa incursão de resgate e sair o mais rápido possível. Segundo Stott, essa visão tenderia a levar os cristãos a evitarem o mundo, reduzindo, assim, sua influência na sociedade.

A segunda tendência, voltada para a Missio Dei, defendia que o primeiro relacionamento de Deus é com o mundo, e não com a igreja, e que esta seria um instrumento (mas não o único) que Ele usaria para o propósito de restaurar todas as coisas. A crítica que Stott fez em relação a essa visão era que muitas vezes ela confundia revolução com ação de Deus e missão de Deus com graça comum, além do fato de que, embora propusesse o equilíbrio entre evangelização e ação social, a prática denunciava uma ênfase desproporcional.

Considerando as duas tendências, Stott desenvolveu uma teologia de missão bastante consistente. A missão primordial é a de Deus, pois é Ele quem comissiona, como fez com Abraão, José, Moisés, os profetas e, por último, Jesus. Agora, o Filho é quem envia – como Ele próprio foi enviado (João 20.21). Logo, qualquer reflexão sobre a missão de Deus – e sobre onde a missão da igreja se encaixa nela – deve desaguar nas palavras finais de Jesus, registradas na Grande Comissão (Mateus 28.18-20; Marcos 16.15; Lucas 24.46-49; João 20.21 e Atos 1.8).

Conclusão

A missão é de Deus, mas não há como participarmos dela ignorando as condições com as quais Jesus nos enviou. Como afirma Jesse Johnson, “a Grande Comissão não é apenas mais uma ordem da Escritura a ser obedecida, mas é a ordem que dá vida a todos os outros mandamentos dados à igreja”[5].

A teologia da Missio Dei nos ajudou a perceber que esse alvo não está solto no ar, que há uma coluna que o segura (o contexto bíblico e histórico) e uma mão que o colocou lá (o Deus da missão). Contudo, se quisermos ter certeza de que acertaremos o “miolo” desse alvo e não somente suas bordas, devemos olhá-lo de perto para ler o que está escrito bem no centro: “Ide, fazei discípulos de todas as nações”. Nossa parte na missão de Deus é ir e discipular. Vamos fazer isso porque Ele fez primeiro.

Pr. Diogo Carvalho

Este texto também está disponível na Revista do Pastor, no site oficial da Campanha: https://missoesnacionais.org.br/campanha2020/


[1] O autor é Gerente de Evangelismo de Missões Nacionais e Professor de Missiologia da FABAT | Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil (RJ). Bacharel em Direito e Teologia, é Mestre em Estudos Teológicos com ênfase em Missiologia pelo Southeastern Baptist Theological Seminary (EUA) e doutorando em Teologia na PUC-Rio. E-mail: diogo@missoesnacionais.org.br [2] WRIGHT, Christopher J. H. A missão do povo de Deus. São Paulo: Vida Nova/Instituto Betel Brasileiro: 2012, p. 30. [3] SHEDD, Russel P. “Missões: a prioridade de Deus”. In: WINTER, Ralph D.; HAWTHORNE, Steven C.; BRADFORD, Kevin D. (Eds.). Perspectivas no movimento cristão mundial. São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 25. [4] STOTT, John. A missão cristã no mundo moderno. Viçosa, MG: Ultimato, 2010, p. 23-26. [5] JOHN, Jesse. “O alvo global de Deus: o poder da Grande Comissão”. In: MACARTHUR, John; e os pastores e missionários da Igreja Comunidade da Graça. Evangelismo: compartilhando o Evangelho com fidelidade. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2012, p. 38.


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